quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Reflexões...

Por Mik

    Hoje um querido amigo de reflexões, ao comentar sobre o meu último post, me disse: "Após refletir um pouco, me dei conta de que isso não é nada diferente do que temos no Brasil.

    Fato é que já havia pensado nisso enquanto escrevia o post. Quase não o publiquei, sem chegar a compartilhar com vocês. Mas ao mesmo tempo, pensei... "mas isso talvez não seja tão óbvio para o outro, quando começa a ser pra mim." então continuei escrevendo.

    Temos colegas que estão desse outro lado do mundo que ao compartilhar suas experiências, nos acalentam. Porque o primeiro pensamento é: "Nossa!! É bom saber que não somos loucos e que não sofremos sozinhos.

     Sim... preciso dizer.... Realmente a Índia, pouco ou nada (?) se difere do Brasil no quesito roubo, corrupção ou malandragem. 
     Confesso, após quase dois anos de Mumbai começo a cansar de ter que entender tudo. Talvez seja precipitado dizer que cansei, mas ao mesmo tempo me lembro de uma amiga que diz... "Temos que mudar, ou seremos esmagados!"

      Mudar para mim hoje significa aceitar, não tentar entender tudo, não arrumar explicações para tudo, não ponderar tudo. Porque sou assim... Tudo pondero. Afinal... nada acontece por acaso, tudo tem um porque... não?! 

      A Índia tem me proporcionado isso... ou você muda, ou ela te esmaga. Porque uma coisa é você nos braços da sua pátria, reclamar, protestar e reivindicar pelos seus direitos. Outra coisa é você num país estrangeiro, querer e não poder fazer nada. Então ser, ser apenas um estrangeiro que não faz parte daquela família, que não faz parte daquele grupo, que não faz parte daquelas leis, e que - em nada - tem direito sobre aquele país.

       No início nos chocamos com a miséria, com a sujeira, com a falta de respeito pelo ser humano; num país dito tão espiritualizado. Depois de 4 meses decidimos mudar o foco, caso contrário já teríamos sido esmagados por 1,2 bilhões de habitantes, com seus costumes e suas tradições. Mas mudar o foco, aqui, não significa não enxergar, afinal somos seres humanos e sangue corre em nossas veias. E quando menos esperamos, num momento despercebido, num piscar dos olhos, pisam no nosso dedo mindinho.... 

    Bem... Quer viver A experiência da sua vida? Vem pra Índia você também... vem! (?!?!)
       
     Esse post é uma reflexão com base nas trocas que temos tido com esses colegas que estão, conosco, desse outro lado do mundo. Compartilhando, talvez, as mesmas angustias de cada vez enxergar como é sofrido estar só. Como é sofrido ter, ou não, que entender tudo. E de como é bom, talvez egoísta, poder dizer...

   Que bom que não sofremos sozinhos...

   Bjo com carinho 



terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A Índia ensina (?)

Por Mik


    Poucos sabem, mas para passar o tempo voltei a estudar francês.
    Sim... Tem sido uma boa experiência estudar francês com indianos, mas hoje quero contar sobre outro assunto, sobre o que aconteceu em uma das as aulas de francês... 

    Semana passada um dos temas da aula foi: "O estrangeiro e suas dificuldades." 
   A professora contou sobre as dificuldades que teve no período em que morou na França. Falou sobre sua adaptação a culinária, sobre o preconceito que sentiu por ela ser indiana, sobre sua dificuldade em fazer amigos franceses, e outras tantas dificuldades, que ela em momento algum considerou ser choque cultural.

   Quando ela terminou de contar sua experiência, olhou pra mim e disse:

- Temos aqui a Mik!! A Mik é brasileira, então ela vai nos contar sobre suas dificuldades aqui na Índia.

   Na hora pensei:

- Falo a verdade? 
  
    Respondi:

- A minha grande dificuldade, além da língua: Hindi, é que não sou indiana. (nesse momento todos fizeram cara de... "é claro, se você é estrangeira, é porque não é indiana...)

   Mas continuei... peguei meu estojo e dei o seguinte exemplo...

-  Por eu ser Branca ( leia-se White/Branca como estrangeira, pois é assim que os indianos chamam a todos os estrangeiros, sejam eles brancos, azuis, amarelos, vermelhos, pretos, rosas, laranjas...) e não falar Hindi, esse estojo que para você custaria 200 rupias (7 reais), para mim custa 2000 rupias (70 reais). Se eu quiser comprar qualquer coisa que não esteja com o preço, olham para mim e me cobram cem vezes mais caro!! Mesmo quando vou comprar frutas (as melhores e mais saborosas são vendidas em barraquinhas nas ruas) eles me cobram muito mais caro do que o preço real. Hoje tenho ideia do preço de uma melancia, de uma maçã, e se percebo que estão tentando me roubar, desisto e tento comprar em outra barraca.

   Nesse momento todos fizeram comentários. Todos estavam chocados com o exemplo que eu dei. 
   Mesmo com campanhas, nas tvs e jornais, contra corrupção, que aqui é mil vezes maior que no Brasil, os indianos se dizem chocados quando falamos sobre esse assunto ou algo que os remeta a esse assunto. Enfim, também não gostamos quando falam mal do nosso Brasil... mas o melhor - mesmo - veio depois, quando a professora perguntou (com cara de espanto):

- Mas você não tem uma empregada que possa comprar as frutas para você?!?! Por que você é quem faz as compras?!?! (importante entender que para os indianos, pessoas que moram no bairro que eu moro são consideradas ricas, e - culturalmente - por serem ricas não fazem suas compras, mas - sim - mandam fazer.)

    Respondi:

- Sim, tenho uma pessoa que me ajuda em casa, mas prefiro eu mesma fazer minhas compras. Gosto de escolher o que vou comprar para comer.

  Então ela me veio com a seguinte resposta:

- Ah sim!! Você tem uma empregada (suspiro de despreocupação)... Melhor você mandar a sua empregada fazer as compras. Porque nós sabemos que ela também irá dizer que o preço da fruta é mais caro do que ela comprou, mas pelo menos ela te roubará menos do que você está acostumada a ser roubada.

    Agora quem estava em choque era eu. Então você, indiano, fica chocado quando eu digo que no seu País já me acostumei a ter que barganhar até conseguir o preço que realmente vale para pagar numa melancia, quando na verdade você sabe que se eu não barganhar certamente pagarei 100 vezes o valor dela?! Mas eu tenho que achar normal minha ajudante ficar com algum dinheiro porque é normal eles levarem algum!?!

    É... a Índia e suas "dificuldades". Por que será mesmo que Cabral achou que estava chegando a Índia quando descobriu o Brasil? Seria ele algum tipo de Nostradamus?! Sim... Sem muitas comparações, porque de santos não temos nada...

   Depois me perguntam... "Por que você não aceitou a ajuda de moça que queria colocar sua meia?!"

    Porque na Índia nada é de graça (?)!!



Ps.: Para a professora? Falei meia verdade, a outra metade achei melhor omitir.













quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Kya main apki madad kar sakti hoo?

Por Mik

Quase ninguém sabe, mas no último domingo consegui tirar um pedaço da ponta do meu dedo. 
Estava eu, lavando um copo, linda e loira, quando o mesmo quebrou na minha mão. Também não sei como consegui tal proeza. Fato é que minha pressão baixou e quase desmaiei. Era muito sangue que saia do meu dedinho...
Bem, fiz o curativo, descansei por 30 minutos e já estava tudo bem.

Mas o motivo do meu post não é contar o drama do meu dedo, mas sim, falar sobre mim, e contar sobre uma senhorinha que trabalha na academia que eu malho.

Já falei em outros posts que aqui na Índia, com tantas pessoas por metro quadrado, existe todo tipo de "profissão". Tem gente para tirar o lixo, gente para varrer o chão, gente para passar pano no chão, gente para calçar seus sapatos, gente, gente, gente... Tá certo que em alguns lugares quem varre o chão, também passa pano, mas não necessariamente pode calçar os seus sapatos.

Na minha academia tem uma senhorinha muito gentil, que só fala Hindi... talvez fale Marathi, também. Ela trabalha lá, no vestiário feminino.
Todo dia que vou malhar, primeiro subo para ir ao vestiário, colocar minhas meias, meu tênis e guardar minha bolsa no armário. 
Essa senhorinha sempre fala comigo, conversa horrores, mesmo eu já tendo dito que não entendo o que ela diz... parei de repetir que não entendia depois do meu 6 mês de academia...

Segunda-feira, quando fui malhar, ela viu o curativo no meu dedo e falou algo em Hindi que eu não entendi. Como eu estava descendo as escadas enquanto ela varria o chão, balancei minha cabeça ao modo indiano de ser, dizendo... "está tudo bem."
Já na terça-feira, enquanto eu, com certa dificuldade, tentava colocar minhas meias, ela me perguntou...
"Kya main apki madad kar sakti hoo?" Eu mesma não entendi nada. Então ela repetiu...
"Kya main apki madad kar sakti hoo?" e nesse momento apontou para meu pé.

Pensei... "Ela deve estar me perguntando se pode me ajudar..."
Bem, mesmo ela sendo uma querida, não aceitei...

Quando, em 1 segundo, decidi não aceitar a ajuda dela, não foi porque eu não precisasse, mas sim porque tenho tentado a aprender a lidar com A disponibilidade indiana... Muitas vezes não aceitando ajuda.

Explico com uma pequena história...
Cena: Eu com 4 sacolas de compras na mão. Dois senhores, em pé, conversando no hall de entrada, esperando o elevador chegar. Uma pequena sacola encostada na parede ao lado da porta do elevador, e um rapaz, possivelmente o motorista de um dos senhores.
O rapaz estava a espera do elevador, para só e somente só, pegar a sacola do chão e colocar dentro do elevador. Temos ai um choque cultural? Não sei... só sei que o senhor que segurava uma pasta em uma das mãos, poderia muito bem pegar a pequena sacola do chão e colocar dentro do elevador.

Confesso que a "disponibilidade" dos indianos as vezes me constrange, me inibe, me encabula mesmo.

Pensando nessa e nas "muitas" histórias que vi e vivi aqui na Índia.... Já não sei mais quando oferecem ajuda... por gentileza, porque é função desse ou daquele sujeito, ou porque esperam ganhar algum dinheiro. 
Na dúvida acabo não aceitando. Mas o maior motivo de não aceitar, e as vezes chegar a lutar contra, é que não quero me mal acostumar. Um dia deixarei a Índia e espero levar daqui o que de melhor ela tem me dado... a possibilidade de repensar minhas atitudes, meus valores e agradecer pela educação que meus pais e meus padrinhos me deram. 

Temos ai (?) um possível contraste entre o "meu mundo", e esse mundo tão diferente que tenho encontrado a cada dia.... mais parecido com Deus Caos, também conhecido como Índia.

Então fica a pergunta... em meio a tanta beleza, sujeira, misticismo e malandragem...  Kya main apki madad kar sakti hoo?



Ps.: Não sei se a senhorinha me ofereceu ajuda ou perguntou se poderia colocar minhas meias... mas perguntei para um querido amigo indiano como eu poderia dizer "Eu posso te ajudar?" em Hindi, e ele me disse que seria.... Kya main apki madad kar sakti hoo?