terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A Índia ensina (?)

Por Mik


    Poucos sabem, mas para passar o tempo voltei a estudar francês.
    Sim... Tem sido uma boa experiência estudar francês com indianos, mas hoje quero contar sobre outro assunto, sobre o que aconteceu em uma das as aulas de francês... 

    Semana passada um dos temas da aula foi: "O estrangeiro e suas dificuldades." 
   A professora contou sobre as dificuldades que teve no período em que morou na França. Falou sobre sua adaptação a culinária, sobre o preconceito que sentiu por ela ser indiana, sobre sua dificuldade em fazer amigos franceses, e outras tantas dificuldades, que ela em momento algum considerou ser choque cultural.

   Quando ela terminou de contar sua experiência, olhou pra mim e disse:

- Temos aqui a Mik!! A Mik é brasileira, então ela vai nos contar sobre suas dificuldades aqui na Índia.

   Na hora pensei:

- Falo a verdade? 
  
    Respondi:

- A minha grande dificuldade, além da língua: Hindi, é que não sou indiana. (nesse momento todos fizeram cara de... "é claro, se você é estrangeira, é porque não é indiana...)

   Mas continuei... peguei meu estojo e dei o seguinte exemplo...

-  Por eu ser Branca ( leia-se White/Branca como estrangeira, pois é assim que os indianos chamam a todos os estrangeiros, sejam eles brancos, azuis, amarelos, vermelhos, pretos, rosas, laranjas...) e não falar Hindi, esse estojo que para você custaria 200 rupias (7 reais), para mim custa 2000 rupias (70 reais). Se eu quiser comprar qualquer coisa que não esteja com o preço, olham para mim e me cobram cem vezes mais caro!! Mesmo quando vou comprar frutas (as melhores e mais saborosas são vendidas em barraquinhas nas ruas) eles me cobram muito mais caro do que o preço real. Hoje tenho ideia do preço de uma melancia, de uma maçã, e se percebo que estão tentando me roubar, desisto e tento comprar em outra barraca.

   Nesse momento todos fizeram comentários. Todos estavam chocados com o exemplo que eu dei. 
   Mesmo com campanhas, nas tvs e jornais, contra corrupção, que aqui é mil vezes maior que no Brasil, os indianos se dizem chocados quando falamos sobre esse assunto ou algo que os remeta a esse assunto. Enfim, também não gostamos quando falam mal do nosso Brasil... mas o melhor - mesmo - veio depois, quando a professora perguntou (com cara de espanto):

- Mas você não tem uma empregada que possa comprar as frutas para você?!?! Por que você é quem faz as compras?!?! (importante entender que para os indianos, pessoas que moram no bairro que eu moro são consideradas ricas, e - culturalmente - por serem ricas não fazem suas compras, mas - sim - mandam fazer.)

    Respondi:

- Sim, tenho uma pessoa que me ajuda em casa, mas prefiro eu mesma fazer minhas compras. Gosto de escolher o que vou comprar para comer.

  Então ela me veio com a seguinte resposta:

- Ah sim!! Você tem uma empregada (suspiro de despreocupação)... Melhor você mandar a sua empregada fazer as compras. Porque nós sabemos que ela também irá dizer que o preço da fruta é mais caro do que ela comprou, mas pelo menos ela te roubará menos do que você está acostumada a ser roubada.

    Agora quem estava em choque era eu. Então você, indiano, fica chocado quando eu digo que no seu País já me acostumei a ter que barganhar até conseguir o preço que realmente vale para pagar numa melancia, quando na verdade você sabe que se eu não barganhar certamente pagarei 100 vezes o valor dela?! Mas eu tenho que achar normal minha ajudante ficar com algum dinheiro porque é normal eles levarem algum!?!

    É... a Índia e suas "dificuldades". Por que será mesmo que Cabral achou que estava chegando a Índia quando descobriu o Brasil? Seria ele algum tipo de Nostradamus?! Sim... Sem muitas comparações, porque de santos não temos nada...

   Depois me perguntam... "Por que você não aceitou a ajuda de moça que queria colocar sua meia?!"

    Porque na Índia nada é de graça (?)!!



Ps.: Para a professora? Falei meia verdade, a outra metade achei melhor omitir.













9 comentários:

  1. Que que wilson...
    To de cara com o relato da professora.

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  2. Mais deve ter dado vontade de falar a verdade inteira, mininu... rsrsrs!!! Aff... quer dizer que você ser meio roubada, ou roubada por inteiro, tem uma grande diferença, né?!? (Minha cara de espanto O.o!) Que coisa gnt! O melhor foi a professora tentando explicar "a diferença"... PÁRATUDO!!! =(
    MUITA LUZ, PACIÊÊÊÊNCIA E SABEDORIA PRÁ VOCÊS!!!

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    1. É nega, só na paciência para aprender a lidar... rsrs

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  3. Nega, estou surpresa com toda a situação. É incrível como funcionam as coisas para eles. Um horror ser roubada pelas pessoas das bancas de frutas, mas tudo bem, se for a sua empregada. Afinal, ela trabalha para você e lhe roubará menos que o cara da banquinha....
    Deve ser muito foda ter que fazer as coisas, compras, contratar serviços e tudo, e saber que está sendo passado para trás.
    Que vivência antropológica essa de vocês!

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    1. Fácil mesmo não tem sido... mas ou nos adaptamos ou enlouquecemos... rsrs
      E adaptar-se não significa aceitar, mas sim (tentar) aprender a lidar.
      #vaivendo

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    2. Isso mesmo, Mik! O fato de aprendermos a lidar com este tipo de situação não quer dizer que a aceitemos para nossa vida. Acho que talvez o que agrave um pouco a situação, para além de uma cultura extremamente diferente, é que nós somos abençoados por convivermos com as pessoas que temos ao nosso redor: conscientes, éticas, justas... Penso que isso não é a realidade de milhares de brasileiros, muito menos de indianos...

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  4. Puxa vida, ter de explicar o que nos parece óbvio é tão desgastante. Nega, entendo perfeitamente seu sentimento de tristeza em relação à Índia, valores são valores e é muito difícil quando o tempo todo precisamos colocá-los em cheque.
    Claro que sua situação é bem mais complicada, porque não está em casa, se sente estrangeira e tal. Mas eu venho passando por isso constantemente, pois preciso me lembrar o tempo todo quais são os meus princípios para não entrar no fluxo...

    Força na peruca qua já já vocês estão aqui.

    Beijocas

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    1. Sim Mila, super desgastante. Acho que a sensação de desamparo só amplifica o desgaste, mas o sentimento é o mesmo seja no Brasíl ou na Índia. A cada dia percebo as nossas similaridades com esse povo, mas existe algo que ainda não consigo aceitar... independente de lugar, não consigo aceitar suborno e malandragem como algo natural. Aqui eles entendem como algo quase que inato do indiano. O sistema de castas coíbe o pensamento: "Se eu batalhar, se eu estudar, se eu correr atrás poderei mudar meu futuro."
      Não temos sistema de castas no Brasil, é verdade, temos o preconceito de classes, algo bem diferente, mas que muitas vezes, também, coíbe o brasileiro de realizar algumas conquistas, assim acabando por agir na malandragem para conseguir o que deseja.
      Ainda não consigo comparar tanto o Brasil com a Índia, também por conta disso, porque a cultura e os costumes tornam os motivos diferentes, apesar da ação ser a mesma... Ocidente e o Oriente têm suas similaridades, mas sobre a igualdade ainda me questiono muito...

      Ps.: Amei você passando pelo nosso blog!!!

      Bjo com carinho!!

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